Minha jornada de libertação


Quem eu era antes do que vem à seguir:
A pessoa mais carente do mundo, que se moldava aos outros para ser aceita ou (pelo menos) não ser rejeitada. Censo-comum. Medo de aceitar algumas características da personalidade por conta de julgamento alheio. Mas semente que o vento leva, um dia arruma uma terra e brota. Apanhei na saída da escola muitas vezes, fui chamada de gorda, meu pai me chamava de vagabunda. Foi fácil crescer com a autoestima destruída - principalmente quando não se sabe como filtrar esse tipo de sentimento/emoção.

Outubro, 2011.
Primeira mudança: saí de um relacionamento extremamente abusivo, que me privava (e meu psicológico não tinha forças para lutar contra) e dizia que viajar era um erro. Terminei, por ventura atraí a efetivação no trabalho e comecei a pagar um intercâmbio. Comecei a me soltar. A sonhar. Acreditar em mim. Que eu poderia voar, conseguiria realizar meu sonho de conhecer o mundo.

Fevereiro, 2013.
Finalmente, viajei. Depois de tanto tempo guardando cada centavo, deixando de sair, comprar roupa. Fui. 45 dias vivendo uma vida que nunca imaginei ter - fui arrancada da bolha que acreditava ser a única opção de vida com raiz e tudo. Ao mesmo tempo que a estima deu um up considerável por conseguir algo que meu pai insistiu que não era para mim, voltei confusa. Não sabia mais o que queria, quem era - pensava que meu lugar era em outro país, longe de tudo e todos. Era viajar. Não ter rumo. Na verdade, eu não tinha rumo de nada mesmo.

Dezembro, 2013.
Lá fui eu de novo. Larguei emprego e fiz uma farofa com tudo o que tinha e era na vida e saí fugida. Não, foi tudo certinho - passaporte, família pra trabalhar como babá, casa & comida garantida. Mas fugi de tudo aquilo que 25 anos de existência trouxeram para minha mente. Não lidei com os conflitos, não encarei as palavras pesadas que distribuí, não medi nenhuma decisão. Tudo porquê? Bom, viver no conto de fadas do exterior era mais convidativo (e ilusório) do que resolver os problemas. Do que me descobrir. 

Março, 2014.
De volta. Sim, voltei antes da hora porque já dizia o Tihuana que "mentir pra si mesmo é como não ter pra onde ir". Fui achando que começaria algo novo, fresco, sem dor e sem ter que lidar mesmo com fantasmas. Mas o karma é uma bitch (já diria HIMYM), e o corpo transparece o que a mente não resolve: a coluna travou e não me restou opção se não engolir o orgulho e voltar pra encarar os monstros. E foi difícil. E eu trouxe na mala a depressão. Crises de pânico. De ansiedade. 

TUDO PORQUE EU NÃO RESOLVI A PORRA DOS PROBLEMAS QUE TINHA NA CABEÇA. TUDO PORQUE NÃO PAREI PARA ME CONHECER (algo gratuito, ao contrário de ir pra UK or whatever).

Comecei a ler sobre minimalismo, que trouxe no contexto o feminismo - um fator responsável por boa parte da destruição de quem eu sempre havia sido. O que afinal era certo? Errado? Começou a desconstrução. 

Julho, 2015.
Viajei de novo, porquê né - foi mais fácil ficar um ano guardando grana mais uma vez, vendendo cupcakes pra gerar renda e pagando de minimalista pra poupar pra fugir pro mundo de novo - tentando consertar a dor de ter falhado. Tão mais fácil pagar uma viagem do que se encarar, não? Ah é. Se hoje tivesse que escalar o quão difícil é se conhecer comparado a guardar dinheiro pra viajar... E os problemas não pararam por aí - porque depois de 40 dias fora, volta a rotina: encarar a casa dos pais, a cagação de regra dos outros, a vida real. O relacionamento que mostra que cada um está numa página diferente e nem um tour pela Toscana foi capaz de consertar. Dá-lhe crises de pânico. Pq mais uma vez: é mais fácil guardar grana pra viajar do que se curar.

Janeiro, 2016. Onde o inferno começa.
Onde tudo de melhor deveria ter começado, se não fossem esses parágrafos acima. Emprego novo. Finalmente saí da casa dos pais pra ir pro meu próprio canto com o namorado, que me pediu em casamento. TUDO QUE EU PODERIA QUERER PRA VIDA ADULTA, mas eu já estava em pedaços. E porquê? Não respeitei o tempo do outro quando insistia para morarmos juntos quando EU queria. Não ME RESPEITEI em momento algum, pois buscava trazer coisas de fora pra dentro. E, não se enfia nada num quarto abarrotado de coisa velha. E aí, a crise de pânico ficou pior. O choro aumentou. A depressão me afastou de tudo, de todos. Via por dentro da casca que me enfiei uma vida tão boa lá fora, mas não conseguia pegar. Nem sentir. A coluna travou de novo. Engordei absurdo. Ganhei um pré-diabetes. O corpo fala pela mente, não?

Me enfiava embaixo de cobertor todo dia quando chegava do trabalho. Tinha umas crises doidas de sensibilidade e tinha vontade de me machucar para aquilo parar. Algumas vezes, eu o fiz. E eu chorava. COMO FAZ PRA TUDO ISSO PASSAR?

A dor interna era deprimente. 

Outubro, 2016.
Primavera, que sempre costumei adorar, chegou com o casamento. Simples, do jeito que tinha que ser. Com um cara que, durante 4 anos de relacionamento foi o oposto do que sou, muitas vezes meu porto, outras me jogava pro mar pra balançar. Ele evoluiu, cresceu, aprendeu a empatia em um relacionamento. E eu continuava pior. Sem reação. Sem viver de fato aquele dia - que deveria ter sido mágico. No ápice da depressão, o dia que marcaria a transição na minha vida passou e eu não vi. E já falei sobre isso aqui. 

Nossa "lua-de-mel" foi terrível. Tinha um marido incrível ao meu lado, tinha piscina, tinha montanha também. Mas meu corpo não digeria direito o que eu comia. Estava inchada. Não me reconhecia no espelho - e não confunda com discurso gordofóbico. Eu sabia que não ia adiantar emagrecer se não resolvesse logo a merda que acompanhava minha cabeça - ao mesmo tempo em que a compulsão alimentar só aumentava. Comia até não aguentar, muitas vezes inconscientemente. Muitas vezes, vomitava depois.

Mas aí começa também a mudança.

Parei de comer carne, pensando na digestão, inchaço e diabetes.

Maio, 2017.
Nesse intervalo houve consulta com psicóloga e nutricionista voltada para transtornos alimentares. E ao mesmo tempo em que sentia que ia sair do buraco, algo me puxava de volta - sentia um efeito sanfona da depressão. Em alguns momentos, a força do puxão pra baixo era tão intenso que pensava que não ia aguentar. A mente não calava. As sensações no corpo eram horríveis. Ao mesmo tempo via a luz. Ficava pensando quando sairia de vez.

O veganismo já estava caminhando na mesma rua. Me fazia questionar todo meu papel como ser humano no mundo. Dá-lhe mais desconstrução.

E aí, recebi uma proposta nova de trabalho. Dentro de uma fazenda. Longe da cidade que morava. E o ciclone ficou mais forte. Mas, talvez esse tenha sido o impulso que precisava.

Julho, 2017.
A vida deu um giro de 360 graus e com tudo novo, a única coisa que havia sobrado era minha cabeça - ali, com tudo o que havia vivido, a bagunça, pontos sem nós, vírgulas esperando pelo encerramento da sentença. Comecei a ser mais agressiva e espremer cada pequeno detalhe pra entender de onde vinha, e como poderia ir pra frente. Mas, eu ainda estava na casca. Era uma incrível confusão da Aline que existiu pra Aline que estava tentando nascer.

E um processo todo pode se revelar em uma data: 29.07.
Nesse dia, chamei uma galera em casa - para uma "noite de queijo e vinho". Bebemos MUITO. Muito, exageradamente. Gritei, dancei, escrevi mil recados nas paredes de casa (???), mandei msgs sem nem lembrar depois. A Aline da adolescência voltou naquele momento e deixou marcas pro dia seguinte.

Meu marido, sempre companheiro e paciente, acompanhou tudo sobriamente. Ele, que nunca reprovou nenhuma atitude ou decisão que tomei ao longo de quase 5 anos juntos, me fez virar a chave: 

"A Aline que tem se transformado não é a que vi ontem. Pense em quem você é de verdade - pois se for aquela, talvez todo esse seu processo de mudança seja inútil. Se essa de hoje é a verdadeira, talvez seja hora de você abandonar aquilo que achava que era você"

Fiquei puta, confusa também - pois no efeito da ressaca, toda essa retrospectiva acima passou como filme. E, eu realmente me perguntei: QUE DIABOS SOU EU?!!

Ali virou a chave. 

Porque diabos eu ainda estava comendo a porra do queijo se sabia de todo sofrimento que 5 minutos de prazer custava? Pior, porque estava mendigando atenção de pessoas que nem fizeram questão de me perguntar ao longo desse tempo todo (inclusive nos últimos meses) como eu estava? Por que estava trazendo gente de volta pra minha vida, se a Aline de hoje não é mais aquela?

É complicado resumir em um texto a reflexão enorme que aquela noite resultou em mim. 

Arrebentei as correntes e me libertei.

Me sinto livre.

Assumi que o feminismo foi essencial para eu assumir a mulher que sou, e não aquela garota insegura pela atenção de qualquer um. E o veganismo? Bom, ele SÓ me trouxe algo que eu NÃO tinha nesse tempo todo: EMPATIA.

Eu não quero mais morrer, como queria até alguns meses atrás.

Ainda há dias em que a cabeça dispara como uma arma letal querendo me enganar e duvidar do meu valor, mas já me sinto mais forte. A luta é diária. Mas dá pra vencer. Dá pra sair dessa.

Eu sei que se comparar meus problemas com outros, não sou nada neste mundo. Não tenho nenhuma doença incurável, não perdi nenhum familiar. MAS A VIDA NÃO É UMA COMPARAÇÃO DE DORES, DE DERROTAS - E NEM DE VITÓRIAS. 

Se esse post alcançar alguém que esteja se sentindo no limbo, como se nada tivesse salvação ou esperança, não desista. O limbo nos ensina a patinar, a treinar o olfato para o que é ruim (ou não). Nos dá o gosto amargo. Mas depois, liberta. E jamais pense que seu problema não é relevante. Uma semente pode dar vida - ou morte. Depressão não é brincadeira - e nem precisa de um motivo para acontecer.

Não há gosto melhor do que a da libertação.

(E não é nada parecido com queijo. É infinitamente melhor.)


Uma luta por dia. Não desista.

But I don't wanna cry
I don't wanna cry anymore
I wanna feel alive
I don't even wanna die anymore

Comentários

  1. que forte, aline. jamais imaginei que vc estava passando por tudo isso. e que bom que tem se levantado!

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    Respostas
    1. Paulinha, incrível como todos nós estamos passando por batalhas internas... e muitas vezes o externo não mostra, ou não imaginamos.

      Saudades de vc!

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