O papel fundamental da descontrução na geração de novos hábitos



Eu nasci assim, eu cresci assim. Eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela, sempre gabriela!


Poderia colocar outras tantas músicas que entoam a não-mudança - mas também não cabe aqui minha crítica sobre quem faz posse dessa afirmação para justificar qualquer fato que ocorra na vida. Acredito no livre arbítrio e por isso, cada qual com sua escolha.


Por mim, posso dizer como me desprender de quem sempre fui - e das coisas as quais sempre acreditei - tem mudado minha forma de ver o mundo e a mim mesma.


Se tivesse que elencar dois fatores que me mudaram completamente, escolheria viagem e insatisfação com meu corpo. Dois temas que foram responsáveis por mudanças que nem tinham relação!


Falemos primeiro sobre viagem. 


Meu sonho era viajar, fazer intercâmbio. Meus pais não tinham condição, eu tampouco. Quando meu estágio terminou e fui efetivada, guardei cada centavo e consegui pagar o primeiro curso no exterior. Esse processo de economia e planejamento levou cerca de um ano e nesse período, conheci o minimalismo e o desapego


Um me ajudou na questão de consumir menos coisas que não precisava (como roupas) e o outro, a criar uma certa vontade de abandonar o "certo" e ir pro mundo - o que me custou uma depressão quando voltei da primeira viagem.


Depois de 40 dias fora, sendo totalmente independente com horários e obrigações (para quem ainda morava com os pais) e estando em locais em que se locomover é simples (com transporte público e sem dependência de carro próprio) e seguro (a qualquer hora do dia), foi um choque voltar e ver que tudo estava do jeitinho que deixei, menos minha cabeça.

Isso resultou, como falei, em depressão. Então planejei mais uma vez, abandonei meu emprego e rumei a outro intercâmbio. A experiência de ser babá (AuPair) em outro país foi rápida, pois fiquei seriamente doente e fui obrigada a voltar. Outro baque. Outra readaptação. Levou um tempão, mas tive que aprender que não temos controle de tudo e que precisamos sim mudar conforme as situações externas da nossa vida exigem. 


Eu recomecei, arranjei outro emprego, viajei de novo, e finalmente saí da casa dos meus pais - algo que a palavra viagem colocou na minha cabeça que eu precisava fazer. 




Já a insatisfação com meu corpo causou uma bagunça sem tamanho. Depois de sair da casa dos meus pais, ganhei além de mais responsabilidade uma recaída da hernia de disco. A rotina nova, a dor física e a ansiedade (parceira velha) me enlouqueceram e engordei bem - e fiquei ainda mais infeliz e insatisfeita.


Embarquei, primeiramente, na tipica jornada de tentativa de emagrecimento: o combo nutricionista e atividade física - combinados ao desespero. Resultado: compulsão alimentar, algumas crises de bulimia somadas a outras de panico e dor, muita dor física. O plano foi todo por água abaixo.


Comecei então a ler sobre alimentação mais simples, mais natural. Resolvi cortar algumas coisas que não desciam bem, como carne. Lia sobre consumo consciente e moda descomplicada e simples, e nisso chegamos ao ponto da aceitação, de como eu não preciso caber em uma numeração de roupa - e sim ela que precisa me atender! E uma coisa acaba levando a outra: impossível falar sobre aceitação sem falar em machismo. Meu conceito sobre feminismo era extremamente raso, a ponto de quantas vezes ter julgado uma menina pelo tamanho da saia que vestia. 


E quando se entra em um mundo com conceitos que ate então eu ou me manita neutra ou era contra, acontece um ciclo bem interessante e doloroso:



  1. Leitura sobre determinado tema;
  2. Crítica, baseada nas crenças pre-existentes;
  3. Re-leitura sobre o tema, para maior entendimento;
  4. Questionamento: Qual é de fato verdade, o novo ou o que me foi ensinado? e por que sempre acreditei no contrário? (e essa, para mim, é a fase mais dolorosa e demorada);
  5. Substituição da crença (ou a somatória de duas versões);
  6. Descoberta que não se é o mesmo.


Eis que depois de tanto tempo em crise existencial, ainda nao sei definir exatamente quem eu sou, mas sei dizer o que deixei para tras, pelo que substitui e o porque de fazer sentido a minha realidade hoje.




E por que tudo isso tem relação com a geração de novos hábitos?


- Desejava ha um bom tempo não passar mal com o que comia. Queijo, meu "alimento" preferido, torcia meu estomago (mesmo eu não sendo intolerante a lactose) e eu não conseguia cortar de forma alguma, era vicio. Depois de tanto absorver e questionar as informações do mundo vegetariano, enxergo e penso diferente, o que finalmente me fez reduzir drasticamente o consumo (obrigada, Superbom, por tornar tao mais fácil a transição!). Só consegui começar a mudar a alimentação depois que mudei meu conceito sobre ela.



- Queria emagrecer porque queria me encaixar em um padrão fútil que criaram - e era tão fácil falar isso e não aceitar por dentro. Com isso, praticava atividade física e me lesionava, comia por ansiedade (como uma louca) e detonava ainda mais minha auto-estima. Entender que não preciso agradar a ninguém (nem ser objeto sexual ambulante), que posso ser assim e tá tudo certo, só aconteceu depois que questionei muito o que sabia - sobre exposição, sexismo, gordofobia. Foi uma verdadeira substituição de crença por crença.


- E viajar abriu meus olhos para um mundo lá fora e para a diversidade de experiências e pessoas que ele pode oferecer, assim como questionar muito - e sempre - o sentido da vida que levo. As aventuras que tive trouxeram tanto aprendizado - principalmente pelas vezes em que arrisquei o concreto pelo abstrato - que jamais seria quem sou hoje se tivesse permanecido onde estava.



Por fim, mudar faz bem e isso só e possível se estiver disposto e aberto a questionar aquilo que tem segurança e conforto. Adquirir novos hábitos se torna ainda mais difícil se a receptividade de novos conceitos e ideias não existir.


Conheceu algo novo, mudou seus pensamentos? Não se prenda também a essa mudança! O mundo está cheio de gente "radical convertida" a tantos conceitos que se tornam Gabrielas. Nunca estamos 100% certos de tudo, e a mudança deveria ser algo constante.





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