Eu mudei, os outros não: a tarefa árdua de ser empático com o tempo alheio

Até porque, deusolivre mais uma dessas no mundo.
Ou também porque não tenho um lifestile invejável. Nem estilo de vida tenho direito. 

Mas às vezes, só as vezes, dá vontade de sair por aí revolucionando o mundo. De colocar a geral dentro de uma sala de aula e ensinar tudo que aprendi e como tem muitas mudanças batendo na porta esperando ansiosamente para transformar quem abrir.

Mas, não.

Se tem uma coisa que aprendi é que militarismo nem sempre funciona. Tá, para uns - que já estão propensos - pode ser um tapa na cara e causar um furor, mas para outros, apenas trazer resistência e quem sabe, até mesmo entojo.

Aprendi por ter sido um ser 8 ou 80 e isso meu amigo, nem sempre é bom. Nos meus 15, fui em um retiro da igreja e pá, saí de lá renovada, outra Aline, um anjo. De tão anjo, achei que tudo que eu possuía ou tinha, não era bom, não era de Deus, não me levaria ao céu. 

Joguei fora todos meus cds (mano, eu joguei fora um original das Spice Girls, oi?!), cortei meu cabelo curtíssimo (afinal, vaidade é um pecado, não?), e aos poucos fui abandonando tudo que eu era e toda minha identidade, sem entender que não, não é assim que funciona. 

O pior de tudo é que eu achava que quem não estava na mesma vibe, estava perdido e precisava asap de uma salvação. Eu deveria ser a portadora da libertação. Eu causei geral. Irritei muita gente, afastei tantas outras. 

Eu não tinha maturidade pra entender que:
1. Cada um tem seu tempo;
2. Livre arbítrio: cada um tem o direito de escolher pra si o que lhe caber melhor, e eu, tenho a obrigação de não impor.

Pior de tudo, eu não respeitei meu próprio relógio. Não fui dando pequenos passos - eu simplesmente saltei e não fiz nenhum questionamento sobre aquela porrada de informação que estava chegando. Consumi, engoli e achei que era verdade absoluta. 

Mais tarde na vida, cometi alguns erros parecidos, de querer "impor" ou fazer com que as pessoas levassem em consideração algumas escolhas que fiz. Mas não, não deu certo. 

Eis que 2016 trouxe uma enxurrada de mudança, as quais venho escrevendo por aqui. Fiquei empolgada e lá veio de novo a febre de querer mudar o mundo e de repente... caiu a ficha. Eu estava cometendo o mesmo erro de novo. E sabe como percebi isso? Porque me senti no lugar oposto. Empatia. 

Parar de comer carne foi de longe a melhor - e mais brusca - transformação que já passei - eis a primeira promessa que fiz: não mudarei por obrigação. Mudarei por opção, com consciência, do porquê estou fazendo ou optando por algo. 

Logo no começo dessa transição procurei algumas pessoas que compartilhavam dos valores, para entender melhor como adaptar o cardápio. Alguns foram extremamente compreensivos com meu momento e a confusão interna. Outros, tentaram enfiar goela abaixo que eu precisava mesmo mudar a qualquer preço. Vejo muito em movimentos do veganismo que "não existe essa de cada um tem seu tempo" - porque animais estão morrendo enquanto você espera. SIM, de fato. Mas para mim, mudar não é só trocar de roupa ou vestir a capa. É compreender. Raciocinar. Desconstruir. 

Eu costumava compartilhar com uma colega do trabalho minhas novas descobertas, com toda aquela empolgação de iniciante. Falava dos queijos vegetais que havia provado, da troca dos leites, de como eu estava cozinhando coisas novas e diferentes. Geralmente, minha energia era respondida (ou drenada?) por comentários como:

- Ah, mas nutricionalmente não precisamos de leite, mesmo que de soja;
- Nosso corpo não precisa de queijo, temos que desmistificar isso;
- Não fique fazendo comidas que remetam carne mesmo que seja vegetal, temos que entender que não precisamos de carne.

Ah gente, vápápu.

Minha cabeça explodiu. Eu não queria saber o que meu corpo precisava nutricionalmente (até porque eu estava pagando uma nutri e uma endócrina pra isso), eu só queria um ombro amigo. Minha cabeça estava a mil por conta de tanta informação, culpa, questionamentos. Precisava de pausa, de descanso.

Aí eu saí da internet por um tempo, como falei aqui. Foi o respiro que precisava, pra entender o quê de tudo aquilo eu realmente precisava absorver no momento. 

Com isso e com tudo o que já tinha aprendido, me prometi: eu não quero ser essa pessoa na vida dos outros. Não quero ser mais um chato impondo regras, nem achar que minhas escolhas são melhores do que dos outros. 

Eu sei que tem gente que é assim com o intuito de ajudar, mas na boa, não sei se funciona tanto. No meu caso, mais desanimou do que facilitou. 

Só que eu queria que o mundo também sentisse o que sinto - porém como fazê-lo sem ser 8 ou 80? Essa sim seria - e tem sido - minha grande transformação. 

Semana passada reuni uns amigos e familiares em casa para comemorar meu aniversário, com tema de festa julina. Eis que veio a preocupação: todos nossos conhecidos comem carne. Nós (eu e meu marido), não. Sinceramente, eu não queria causar revolução e nenhum desconforto (até porque, nossos pais e avós não são nada flexíveis e dependendo do que for, nem comem e só torram a paciência mesmo).

Aí vem a pessoa chata: 
Mas Aline, você prefere se importar com as pessoas do que com o sofrimento do animal, que não tem escolha como os humanos?

Nem A bem B. Empatia, galera. Mais uma vez, sem ser 8 ou 80. Sem militarismo.
Vamos tentar unir ambas as coisas. A ideia era conquistar pelo bem, e não pela obrigação.

Servimos canjica com leite vegetal (a minha primeira da vida, e ficou ó, boa mesmo! hehe), cuscus de legumes (ninguém sentiu falta do frango), mini lanchinhos com pão australiano, queijo vegetal derretido, cebola caramelizada e linguiça (veg!), encomendemos kibes (de soja), bolinhas de queijo (vegetal) e coxinha (de jaca), milho cozido, alguns snacks com geléia de pimenta e patês (com tofu), pipoca, pastelzinho de carne de soja fervida no vinho, falafel. Não sobrou nada. 

O mais engraçado é que não contei pra ninguém que as coisas eram de soja ou qualquer outro componente que não fosse carne. Deixei que comessem, à vontade, e fui guardando cada elogio. 

Depois, fui individualmente e contei sobre os ingredientes e a surpresa era sempre a mesma: "caramba, nem dava pra perceber que era soja! A coxinha era de jaca?". 

Todo mundo saiu feliz, e surpreendido. Ninguém passou fome, ninguém precisou sentar na cadeira pra eu passar um vídeo sobre como os animais sofrem (embora, no fundo do coração, eu quisesse fazer). Mas todo mundo aprendeu uma liçãozinha: existe vida sem carne. E é bem gostosa!

Na semana antes, eu e meu marido havíamos conversado sobre a festa e pensamos "poxa, não queremos ser chatos, queremos respeitar as escolhas dos outros, mas não dá pra passar por cima dos nossos valores e trazer comida com sacrifício aqui". Infelizmente ainda teve derivados de leite no rolê, mas nos sentimos vitoriosos por quase não usá-los mais em nosso dia-a-dia (abrimos exceções quando vamos em casa de amigos, mas isso vai mudar). 

Eu fiquei bem feliz não só com a impressão que causei em todos, mas principalmente por eu ter me controlado e ter escolhido o "caminho do meio". Também sei que vai continuar sendo difícil vendo a opção de quase 99% das pessoas ser diferente e não chegar metralhando a verdade, mas precisamos ir com calma. Vamos respeitando o tempo alheio.

Ser empático é um desafio tremendo - ainda mais quando queremos mudar o mundo. É uma tarefa árdua, mas estou disposta a tentar. 


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